14 de janeiro de 2009

PINHAL



Hoje, e quando nada o fazia prever, tive a imagem que julgava impossível. No meio de um pequeno-almoço com o sol bem alto no café cá da rua, avistei três miúdos a jogar à bola. Deviam ter entre os 8 e 12 anos, vestidos como quem ainda não investe muito no aspecto, portanto com o "que veio à mão" ou então com o que os pais mandaram que vestissem.

Enquanto não chegava a meia-de-leite e a pão com manteiga (o que eu sofro à espera da primeira ração, é o vicio da nicotina) olhei, senti um conforto e uma saudade como se estivesse a olhar para uma fotografia antiga. Eles dividiam-se em triângulo, que ia mudando de aspecto, mais escaleno, menos isósceles e pouco equilátero, conforme os caminhos irreais da bola. Todavia o cenário não mudava, um canto de um prédio, de paredes grafitadas, dois contentores do lixo e uma placa presa num ferro que indicava o nome da rua, rua que é fria, sombria e ventosa, deve ser por isto que o ferro que segura o nome da rua, apresenta-se inclinado como que o vento só tivesse uma direcção. O som não me chegava, mas não fazia falta...

Na minha cabeça a imagem era outra, rua em terra batida que descia até ao pinhal, era assim conhecido; "Mãe vou para o pinhal com o Pedro jogar a bola", mais de três, muitos mais, as idades eram as mesmas e a alegria também, mas a liberdade era toda, era tanta que para nós não existia, como se fosse hora de comer, hora de deveres (trabalhos para casa, esses da escola) ou hora de ir para a cama. No dia seguinte repetíamos tudo, e nem sequer precisarmos de combinar, porque chegava um assobio (próprio, como código) e começavam a aparecer os calções, as sapatilhas e o brilho nos olhos de todos, era hora de prazer, de convívio e às vezes, muitas, de porrada e de zangas, vejam lá que dava para ficar sem falar aí uns dez minutos, coisa feia!

Dei o primeiro gole, peço morna, vem sempre fria, mas naquele momento tudo ficou como devia ser, não precisava de mais sentido nenhum, tudo estava perfeito, eu sorria com o entusiasmo deles os três e com as memórias que me fizeram lembrar. Apeteceu-me deixar a meia-de-leite, chegar perto, e contar o bem que me estavam a fazer, falar-lhes dos meus calções, dos meus amigos, do pinhal e no fim pedir para dar "uns toques". Mas não o fiz, em tempo de medo, em tempo de cimento, em tempo de tecnologia, em tempo de ATL, eu sentia-os revolucionários, destemidos, ninguém os vigiava, como que conspirassem, a experimentar uma grande liberdade.

Não podiam saber que a minha foi bem maior.

4 comentários:

  1. Também me lembro bem desses tempos e que saudades tenho deles! Também tenho pena, muita pena que a minha sobrinha não cresca com esse "liberdade" que a minha geração teve! Agora é tudo muito mais solitário, intimista e com pouca magia!

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  2. A meia-de-leite e o pão com manteiga também já foram mitas vezes a minha janela para o passado...

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  3. ...tenho a sensação que estou a comprar um bilhete para a máquina do tempo, por isso não troco de pequeno almoço.
    Sê bem-vinda.

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