16 de novembro de 2009

INVINCIBLE

Faz parte do alinhamento para o concerto no pavilhão Atlântico ... leiam cantem e sintam...


Follow through
Make your dreams come true
Don't give up the fight
You will be alright
'Cause there's no one like you in the universe


Don't be afraid
What your mind conceives
You should make a stand
Stand up for what you believe
And tonight
We can truly say
Together we're invincible


During the struggle
They will pull us down
But please, please
Let's use this chance
To turn things around
And tonight
We can truly say
Together we're invincible


Do it on your own
It makes no difference to me
What you leave behind
What you choose to be
And whatever they say
Your souls unbreakable


During the struggle
They will pull us down
But please, please
Let's use this chance
To turn things around
And tonight
We can truly say
Together we're invincible
Together we're invincible


During the struggle
They will pull us down
Please, please
Let's use this chance
To turn things around
And tonight
We can truly say
Together we're invincible
Together we're invincible

Olhar de Dentro


No meio da confusão diária de papéis, barulho de impressoras e murmúrios de clientes chegou o momento em que tudo se apaga, os segundos alargam-se e tornam-se intemporais, nesse momento o que o rodeia transforma-se em imagens desfocadas porque utiliza todo sistema óptico para a receber. Chegou. Apesar da confirmação da sua presença, não consegue controlar corpo ou mente, leve tremor nos braços são indícios que nada mudou e a mente antecipa um louco beijo adiado pelos últimos anos.
Dois beijos, um em cada face, ela impõe que a boca fique longe do embate de rostos mas nos olhos parece contradizer-se, ele está ansioso pouco confortável com cara pálida e a boca seca. Não precisavam de falar pois a chama que os une reacende a cada aparição.
Agora caminham lado a lado, a praça pára para ver e suspirar, o bando de pombas desacelera o corrupio com respeito e o sol perfura duas nuvens negras que se abrem como se o vento soprasse em duas direcções. Ficam horas a conversar, a namorar sem se tocarem e mais vontade cresce, e o tempo, esse que corre voraz no prazer e vagaroso na dor, não se alia e quase se desfaz num ápice
Puxam as reticências para que outro episódio comece, e aí, largam as culpas, perduram o desejo e aumentam o contentamento, não foram infiéis, não quebraram compromissos e mesmo assim são um do outro, porque bem perto do fim e do novo começo, nada mais importa. Nunca os vi beijarem-se, o que me é agradável, aproximavam-se as bocas... fechavam-se os olhos.

10 de novembro de 2009

INVICTA


Dia chuvoso, daqueles dias em que o cinzento das ruas fica mais escuro, a pedra húmida é mais negra, nestes dias a cor é rara, seja nas roupas, seja nos rostos. As pessoas vertem movimento de cabeça baixa, o desalento escala até à mente alimentado pelo frio na planta dos pés. Predomina o amarelo o verde e o encarnado dos semáforos que parecem desnecessários tal é a confusão de trânsito. O vento já se encarregou de arrancar o verde das árvores e o frio roubou a tez rosada de outras épocas. Parece que a cidade entrou em coma e nós com ela! Será?...
Dia chuvoso, daqueles em que os paralelos da rua brilham de prata pingada, a pedra parece polida, nestes dias a paleta de cores escurece, como se escolhesse um fato de gala para nos receber. Uma neblina sobre o rio que desvenda pausadamente o equilíbrio entre a força da corrente verde escura e a imponente cascata de granito pingada de amarelo novo, usado no quente do verão. As pessoas vertem movimento, a cidade vive, nós somos o sangue a correr-lhe nas veias, por isso vamos quentes com destino. Não há céu como este, assim que nasceu, bem por cima dos Clérigos, cresceu até à Foz, e lá, juntou-se a um Atlântico revolto de espuma branca. Nasceu cinzento, nasceu da cinza dos que ergueram a cidade. Levantem os olhos e não resistam à tentação deste fascínio nosso.
Quando o deixo, sinto aquele frio na barriga de quem está apaixonado, quando o lembro sinto saudade mas quando o reencontro quero-o molhado e cinzento, o verdadeiro PORTO.

27 de agosto de 2009

Ventos e Oceanos


A linha é tudo menos recta e fôlego perde-se em cada curva, será todavia bom lembrar os ventos e os oceanos, estes, não têm rumo ou fim, baloiçam harmónicos por falta dela. Assim fui eu até agora, livre, pendurado no acaso, sem rumo e com visão turva do futuro, feliz e infeliz.
Tudo tem preço e tem vezes que o preço é muito alto! A solidão tem tanto de regenerativo como de destrutivo, para combate-la teve dias em que vendi a alma para o conforto do corpo, pior, menti a mim mesmo e viciei o pensamento para acreditar que era ali o meu lugar, aquele o meu encaixe, claro que passado algum tempo adoecia, quase apodrecia. Depois para curar tudo, voltava a ela, a solidão regenerativa e ficava guloso a saborear o melancólico das horas o ócio como presente. Não existe na vida nada melhor do que o som do mar no fim de tarde de inverno, o sorriso de uma criança em qualquer situação ou um céu estrelado longe das cidades em noites de verão, estes momentos vivo-os sempre em estado de ressaca da minha própria bebedeira sentimental, deve ser aqui que o meu interior atinge um grau de pureza e leveza extrema que me permite absorver tão profundo o valor do que não tem preço. Porém é conveniente dizer que adoro viver, sintomático mesmo é a regularidade que tenho neste percurso, neste ciclo que faz de mim novo e leve quando se fecha, chamo-lhe vício.
O desafio chegou, estou como nunca estive, estou como disse muitas vezes, mas agora à séria, cabeça ocupada, sem apetite, feliz, doido, falta de ar e uma saudade até quando estou a olhar para ela...olhar para ela... olhar... E fico assim o resto da vida... O olhar... Será? Será a minha vez de ser quase sempre feliz? Espero que os ventos e os oceanos revoltos se convertam num rio sereno e numa brisa de toque leve em pele eriçada. Claro que posso suportar uma tempestade de quando em vez...

19 de maio de 2009

A Noite espera



banho quente e o desejo
espelho confessa o lado carnal
a mente escorre do beijo
ferve o corpo animal

cem roupas na prova
fragrâncias no batedor
o desejo renova
ambição e fervor

um cigarro a meio
uma música de fundo
tem o peito cheio
para agarrar o mundo

aumenta a batida
supõe-se o desfecho
exalta-se a vida
num breve trecho

o último olhar, demora
o pensamento fascina
o frenesim está lá fora
de ouro e platina

confiante e apressado
instinto de fera
com manto decorado
a noite está à espera

Vampirizar


Adoro Vampiros. O poder com que manipulam, a força muscular que não tem limites, a velocidade graciosa na caça, a sensualidade que demonstram na corte e na aproximação, o frio dos corpos que pálida torna as faces, a imortalidade e a superioridade incontestável de nos tornar inextinguíveis. Mas confesso que a minha sedução paralisa de deleite e terror quando imagino o momento exacto de ser sugado, será um momento controverso com certeza, ninguém se zanga se imagino dentes aguçados cravados em alma feminina, é que não consigo idear se não uma vampira sedenta do meu sangue, sedenta de mim, que depois da prova se vicia e morre de amor para sempre, ela imortal, eu imortal, alimento um do outro como forma única de prolongar o fogo, a luz e ultimar o enlace no princípio do infinito. Tenho o meu lado cupidinoso, como tal aponto as minhas flechas untadas no melhor sangue e disparo... Para agora sim, sermos felizes para sempre...

17 de abril de 2009

Está na hora


Está na hora, nada melhor que esta corrente nebulosa, um pouco angustiante que se abateu sobre as nossas cabeças, mas não caiu pesada e de repente, vem lenta e poderosa e desta forma tem mais impacto, sofremos mais tempo, entranha-se devagar e penamos. Digo eu que está na hora porque não podemos mais viver encolhidos neste cerco que se aperta, empurrado por poucos e onde muitos se amontoam e sofrem. Passamos tempo de mais a escolher as armas e tempo de mais a pensar como lutar. Dos mais prevenidos até aos consumistas todos têm menos e este menos não é só dinheiro, e o tempo em família e a insegurança no trabalho e o lazer com qualidade como forma de equilíbrio e as solidões impostas que quebram laços de amizade, e quase todos parecem encontrar forma de se "habituar" a este caos instalado, que no meu entender é um erro em forma de carta branca para que, o que nos rodeia fique na mesma, ou pior?
Está na hora de fazer uma reflexão, olhar para futuro dos nossos filhos, com olhos que não se limitem à situação económica. Concordam comigo que ninguém quer que os filhos, carne da nossa carne e sangue do nosso sangue, siga este rumo a pique para o abismo, esta sede de ambição que está na base do mundo violento e ganancioso, a submissão que hoje impera como resultado de pressões, a hora de jantar que nem sempre tem pai e mãe, as tertúlias entre amigos ou o café no fim da tarde são passado, os "hobbies" que nos fazem mais nós, ficaram para "tempos melhores".
Está na hora de parar, olhar para trás e pensar se realmente ganhamos ou perdemos, se é esta a vida do "sonho", pois é, já não sonhamos, o sonho ficou para poucos. Como costumo ouvir: "...que não falte o trabalhinho e que o dinheiro chegue ao fim do mês...". Um povo que se revoltou há 35 anos perdeu memória, perdeu a luz. O conformismo, a necessidade e o medo vão fazer de "nós" mais pequenos e mesquinhos e eles(filhos) crescem e aprendem com o que vêem!!!.
Está na hora...

22 de março de 2009

PARTIDAS


Sem dormir, encheu-se de coragem, tomou um duche e saiu. Dia cinzento com ar frio e húmido, andar oscilante, próprio de quem precisa de descanso, sem que isso se torne penoso segue até ao carro com a mente leve e transparente, procura nos seis bolsos possíveis a chave, como habitualmente está no último, entra, cinto, cigarro, U2 e vidro entre-aberto pois esta brisa fresca dos primeiros dias de primavera é irrepetível e dura três ou quatro dias, tem cheiro a mar e anuncia o renascimento da terra.
Estrada fora, rolando devagar porque adiantou-se ao relógio, estranha-se porque não é pontual. A ansiedade aumenta ligeiramente, segue todas as placas que dizem aeroporto sem desvios ou hesitações, a sensação de dejá-vu parece antecipar o destino... Engana-se na entrada do parque de estacionamento, mais uma volta e desta pára o carro.
Conscientemente dirige-se para o piso das chegadas, sabe que ela vai partir, mas tenta decifrar a reacção que terá: pressionada, feliz, surpreendida, maravilhada ou espantada. Gasta o tempo nestes pensamentos enquanto bebe um café sentado no snack-bar que está de frente para quem chega de altos voos. Reconhece valor e paixão no que está a fazer, dá o derradeiro gole e sobe...
Sabia que era ali que, mais minuto menos minuto a veria outra vez, não a via há muito tempo, porque duas horas e trinta minutos é tempo infinito para tanta vontade! Sentou-se no lugar mais discreto, neste momento a ansiedade misturada com alegria eram um monstro de tamanho. Já estava no lugar certo porque não se perdem aviões, às vezes perdem-se comboios, autocarros e até amor de uma vida, mas aviões nunca, ele sabia que ela chegaria para partir. O nervosismo comandou-o até ao ar livre, mais um cigarro rápido, entrou de novo, olhou para o relógio e foi à descoberta do local exacto do chek-in. Perdido naquele espaço amplo, cabeça levantada e em voo mental, tenta entender aqueles quadros digitais, repara que a porta de embarque é a 18 e que o sítio para despachar as malas são o 57 e 58, inspira de alívio e desejo. Mudou de lugar, não era assim tão discreto e sentou-se ao longe com olhar cravado nas portas giratórias...
Entrou, cabelo apanhado, que realça os desenhos do rosto, caminhar seguro e um pouco acelerado, camisola clara e ganga, roubou todas as luzes disponíveis e em seu redor tudo escureceu. Ele via tudo sem turvar, contemplou e de seguida procurou o telemóvel e telefonou... A conversa não ouvi, mas vi, ele com passos inseguros aproximou-se, ela deixou para trás o 58 e dirijiu-se para ele, pararam cara-a-cara, beijaram-se na face, conversaram um ou dois minutos, ela surpresa, ele feliz, beijaram-se outra vez... E visto aqui de cima digo-vos: muito melhor do que na sétima arte. Viraram costas, ele já conta as horas para a ver de novo, ela não sei...

15 de março de 2009

TU


Começo a sentir que os dias têm reticências, não se fecha o ciclo e falta tudo o que deve ter para que outro possa começar, Tu. Nos dias que te vejo sinto o mesmo, fico suspenso nos Teus olhos e na Tua boca, depois carrego a imagem sem peso e continuo a achar que a noite não acaba e o dia não começa. Sinto-me imperfeito sozinho, morre metade de mim e metade de Eu mesmo é pouco, custa carregar uma metade inerte, cortas-me a meio quando vais. Quando puder ver-te todos os dias vou querer ser imortal para que nada acabe, vou querer não contar os dias nem as noites e num toque Te torno imortal também. Depois nem vida somos, somos sempre e para sempre, vamos intemporais sem embaraço, existimos nós dois num só, um sol e Tu lua, dou-Te o calor do dia e Tu dás-me a elegância da noite, sem horas sem tempo sem morte. Não temo o dia seguinte porque num qualquer vais lá estar e Eu vou viver inteiro outra vez. Só por Ti. Não Me adies.

4 de março de 2009

BALCÃO


Cinco lugares. Um balcão. Abrótea assada, jardineira, lasanha, quiche de frango e tarte de atum. Cinco pratos.
O Senhor Gonçalves ou "tio", é assim que toda a gente o chama, acanhado de corpo com pernas arcadas, cabelo branco, bigode farto e olhos de criança, tem sempre alegria que dispara gratuitamente, na anedota ou no comentário é sempre incisivo. A Dona Fátima ou "Fatinha", viúva de preto, óculos pendurados na ponta do nariz, cara miudinha com queixo bicudo e sorriso que faz parte do conjunto, adora as piadas do "tio" e responde com aquela maldade que sabe bem, corpo cheio que acaba agudo de tão pequeninos pés. O Senhor Paulo ou "Paulinho", fato e gravata, o mais novo da fila, tez morena, cabelo meio esfrangalhado, nariz bico de papagaio, ar de galanteador, sorriso franco, mais ouvinte que locutor, dá atenção a todos. A Margarida ou "Gui", a roçar os quarenta, olhos verdes de mar, pele morena de base, cabelo preto brilhante de cabeleireiro, dentes brancos como folha em branco mas lustrada, partilha o cheiro a perfume para lá do balcão, suspira pelo fato e pela gravata, gosta da conversa apimentada. O António ou "Toni", calvície precoce, fraldas por fora das calças e sacola ao ombro, um verdadeiro homem da informática, temperamento sereno, informal e relaxado, é contraponto e marcador de tempos.
A oralidade corta obliquo: jornais, música, meteorologia, afectos, interesses e às vezes sexo! Desorganizados tem horas que se fazem três ou mais conversas, encavalitadas! Escassei-a o mastigar e os pratos resfriam.
O relógio empurra os ponteiros, durante cinquenta e cinco minutos estes cinco mundos fundem-se, unem-se com os cotovelos colados no balcão. Não há tempo a perder e sem querer e sem forçar são todos positivos, diferentes e jubilosos. O segredo está na diversidade e na tolerância. Não há tempo a perder mas amanhã repete-se?! Sim, mas amanhã vem longe...

2 de março de 2009

E Depois do Adeus

Hoje faço 35 anos de idade, não resisti a uma breve incursão pelas memórias, no entanto não escolhi nenhuma das minhas, escolhi antes uma memória da minha mãe "...no dia que tu nasceste estava a dar o Festival da Canção, e a música que representou Portugal foi do Paulo de Carvalho (E depois do Adeus), que um mês e pico mais tarde foi a música da revolução dos cravos...". Para uma esquerdista de luta e de ideais isto tem um sentido abrangente, para mim também, não por estar consignado mas porque a letra da música levanta questões, emoções e deixa reticências para o rumo da vida. Acompanha-me estes anos todos e é um prazer renovado ouvi-la...

versão original do festival em 02 Março de 1974

27 de fevereiro de 2009

AO VIVO


Alguns sentados nos muros, outros em grupos de pé, muitos ansiosos. O alarde corre por entre corpos, motim mal organizado, fumo de cigarros e fumos com fragrância das Índias, esvaziam-se no ar da noite. Mãos coladas em garrafas de cerveja e boa disposição. Conversas insuficientes, não que sejamos todos tolos, mas a cabeça já se matriculou num curso que durará duas horas, onde somos alunos, professores e matéria. Alguém grita mais alto o nome de alguém, olhamos e sorrimos mesmo antes de olhar porque sabemos que é um dos "nossos", não falha! Camisola preta com o nome gravado em letras brancas, mais um faz sempre falta! Em bicos de pés reparo no que me rodeia, satisfaz-me os milhares, idades muitas, família que se veste parecido, com um fim claro: dar tudo e receber tudo. Abriram as portas...
Um dia gostava de filmar as caras, espera-los lá dentro para ver o que vejo em mim e o que consigo ver nos que me estão mais próximos: a emoção contida a transbordar, o orgulho de ser fragmento, a alegria da primeira vez, o ar apressado para encostar nas barreiras e a certeza que vamos fazer parte. A entrada é um momento que gosto particularmente, o frenesim estrondoso de uma massa humana, o deslumbramento com a sala, mesmo que seja a trigésima vez que lá entramos, os sons da acomodação anárquica e os olhares perplexos a constatar o momento. Corta-se o cordão que nos liga ao mundo e passamos a ser um "gigante". Apagam-se as luzes...
Momento de silêncio que dura um milésimo de segundo, depois, os gritos guardados, os assobios, as mãos no ar e as vozes nossas que ecoam até ao tecto e voltam. A delonga está no fim e até esse instante é delícia. Acendem-se todos os focos e os primeiros acordes rebentam...
Agora somos sons, somos movimento desordenado que olhado de cima é perfeitamente simbiótico, somos ouvidos sem filtro, somos poros abertos a transpirar e a sugar, somos boca e garganta de mil notas, somos corpo em erupção, somos o palco do palco. Mais uma vez olho em meu redor, faço-o sempre num refrão poderoso e conhecido ou num momento de uníssono, vejo fulgor e a vontade burlesca de todos em participar de uma forma marcante, vejo calor e as faces brilhantes de exaltação, vejo comunicação e energia lançada para o palco e rebatida para o povo. Sinto-me feliz e no correr do tempo, salto, grito, canto, aplaudo e vivo muito... A última nota, a despedida calorosa e arrepiante que faz crer que podia começar tudo de novo! Acendem-se as luzes do fim...
Corpos suados e lentos, cambaleiam para a saída. Vozes fracas e roucas, poucas, porque a memória ainda junta tudo e a vontade é de lembrar. Olhos vidrados de encantamento. Zumbido que atenua o rigor de voltar à generalidade. Desaparecemos vultos pelas ruas...

22 de fevereiro de 2009

Sem fim...


És tu. Sim tu. Que abres os olhos e lês estas letras atadas com laços de ferro. Tu que me forças a mente e me atolas as mãos. Tu que fazes de mim escravo da delícia do texto. Tu que tens meus braços como marionetas e jogas com eles, cansas-me deles até que doem, da dor passam a adormecidos, do dormente passam a prazer e continuam.
É para ti que me vergo e componho, é para ti que os meus olhos não piscam e mergulham num mar sem fundo, e quanto mais desço mais luz tenho mais morno fico, passo a tinta ao papel num degusto lento que sabe a muito em pouco tempo.
É por ti que me perco no labirinto, quero-me perdido com a saída à vista, deambulo por entre pensamentos e questões e vou sumido de novo. É por ti que conheço prazeres infindáveis, lugares de volúpia constante, frenesim de versos e música. É por ti que canto com os dedos e danço com a mente.
Será para ti tudo que falta na folha branca, será para ti os gestos futuros dos meus pulsos, será para ti o desabafo, abraço e a culpa,será para ti a vírgula desnecessária, será para ti a próxima linha, o seguinte capítulo, a história, sem fim, sem ponto final
Obrigado

20 de fevereiro de 2009

Destino Improvável


Ele vendia balões perto de um jardim com lago. Ela estudava em Belas Artes mas já pintava.Ele vivia pacato, dois amigos e dois telefonemas da mãe, por semana. Ela vivia cheia, cem amigos e três irmãos.Ele ganhava o certo para pagar renda, comida e cinema. Ela ganhava por exposição, incerto.Ele vendia balões das cores do mundo. Ela pingava no quadro paisagens perfeitas.Ele serve-se do carvalho para não derreter. Ela serve-se do sol para não derramar.Ele guardava os balões às cinco e deitava-se na relva. Ela pintava para lá das cinco e dormia na tela.Ele assobiava o som dos pássaros, de mãos atrás da nuca. Ela sentava num tronco de perna cruzada.Ele de camisa azul e calça branca. Ela de vestido lilás e lenço laranja.Ele viu-a e corou. Ela viu-o, não respirou.Ele de mãos nos bolsos aproximou. Ela parada rejubilou.Ele chegou, pousou como na formatura. Ela desceu, tapou o sol.Ele sorriu e deixou o tempo passar. Ela segredou o fim do pingar.Ele correu, juntou todos os fios, todos os balões e correu. Ela esperou perto da tela, retocou com vermelho.Ele, balões na mão direita. Ela, pincel na mão esquerda.Ele e Ela, abraçaram-se e num pulo só... Entraram na tela e voaram, voaram, voaram, presos por fios e feitos de tinta. Para sempre.

11 de fevereiro de 2009

Delírio

Beija-me a boca
Apetece-me o sabor do teu cuspo
Aquece a língua no meu hálito
Sê, só boca
Escorre-a nos meus lábios
Suga-me liquido, quente
gruda, sem ar
os lábios nos cantos e
os cantos nos lábios
Dança, como fole carnudo
Sem ritmo, escassos momentos
repente de quase união
Nem toque, nem carne
Nem húmido
Só ferve ar por entre arfar
Curto lance, enlace
Junta tudo mais meloso,
gasoso, guloso
Fica, perde a água toda





"BESTAS"

A condição que os faz pequenos é a mesma que os tolhe e deixa agonia à sua passagem.


Estou farto do coitado, estou atulhado da pessoa infeliz de braços cruzados.


Enjoa-me os tormentosos do nada, os que pelos olhos aguados se munem de gente em redor do seu vazio.


Não posso mais com os sorrisos pálidos dos punidos que carregam uma cruz de esferovite pintada da cor do sangue, que nem corre nem verte.


Enfastia-me a fama bacoca e solta de notas esvoaçantes à espera de um molhe de gente de mãos no ar.


Repugna-me quem ilumina o caminho com luz alheia e se sente mais do que a própria pobreza.


Viola-me o triste mendigo da mão do próximo que não tem mão nele, não tem mais do que lágrimas secas que são cordas para prender almas.


Entristece-me o monge falso de véu que estende passadeiras vermelhas para invocar cortesias mascaradas na sua solidão.


Reprovo o pérfido anão em terra de gigantes, porque está de joelhos, socorre-se de braço humano quando tem energia para se erguer sozinho.


Não compreendo o poderoso de bolsos atestados que desfila com o cobre à vista, esperando ser seguido pelo cintilar da ambição.


Escarro o menino pintado com lágrima a deslizar pela face que tenta o lenço perfumado a que não tem direito pelo sofrimento inócuo.


Execro o hipócrita de cabeça baixa que entusiasma o outro com cartazes de clemência.


Abomino aquele que pensa que a ausência faz tremer os presentes. A ausência dos inúteis nunca foi notada.



Grito. Grito alto, de tamanho e paragem.

5 de fevereiro de 2009

CONSCIÊNCIA?


Nasci eu, no mesmo dia, alguém escolhe o Anjo que me acompanhará pela vida fora. Nascemos, e a todos é destinado um Anjo. Tenho a certeza que haverá um Anjo para cada um de nós, e que o mesmo Anjo acompanha várias vidas depois da nossa.

O meu Anjo tem um ar velho, como se tivesse cem anos, revela-se vezes sem conta, e apresenta-se em forma de vapor, imaginem o fio de fumo que sai da panela ao lume nas vossas cozinhas, ganha contornos de homem e segue-me do meu lado direito, rasante a mim e ao chão.

Não é pesaroso nem molestador, tem dias e noites que o esqueço, nem dou por ele. Mas está lá. O meu Anjo gosta de mim e tem um natural e profundo conhecimento das coisas. Sempre que preciso, olho, e às vezes, muitas, só com o olhar me diz o que quero saber. Outras, falamos, mas é de poucas falas, é velho e custa-lhe proferir muitas palavras, esta é a minha visão, mas sei que a prosa que usa é precisa e imprescindível. Eu inquiro tudo, mas daquela boca fumada só sai o útil, o fatal.

Nestes últimos anos, primeiros de profundidade, uso-o amiúde, questiono, pergunto com o olhar e ouço, retenho e aprendo. Todavia, nem sempre foi assim, muitos anos o ignorei, achei que era como a inocência, um dia perdemo-la! Ele, sem desvios no caminho, acompanhou-me do céu ornado de estrelas até à sentina mais repugnante, sem interferir, sem queixume ou ressentimento.

Aprendi, vi a sua importância, senti o seu poder na minha vida, e na vida de quem me rodeia. Está para servir e eu para me servir dele, não age preventivamente, não me chama, não me culpa, não me acolhe, não me castiga e nem moraliza. Mas está lá, quando duvido, quando hesito, quando receio, quando acredito, quando caminho. Só tenho de o trazer antes da decisão, e aí, é equilíbrio.

Sempre que o esqueço, não o convoco ou prescindo, cometo erros ou tenho sorte.

2 de fevereiro de 2009

Pôr-do-Sol



Chegamos lado a lado, demos as mãos e seguimos, a par marcamos a primeira pegada, uma minha e outra dela, continuamos... Areia húmida, pensei: os Deuses juntaram-se e com um leve sopro pentearam toda a praia, todas as praias, porque não sabiam qual é a nossa!
Nós e o silêncio humano. As ondas breves, cadentes e quase mudas, com um sussurrar que era carícia, mimo, beijo na face. Como lençol curto, deixavam a descoberto pontinhos de pedra em forma de beijos largados por sereias como boas-vindas.
Frio, o dia mais frio, mas seco não chorado, (se fosse a pedido não tinha sido tão exigente) e o olhar confirmava! Nem viva alma, nem cascos a fazer aquele corte artificial na água que se prolonga mais do que queremos ver, nada, só uma tranquilidade que nos mitigava a mente, só nós e as marcas que tatuamos com os pés naquela pele lisa, bege. Sem dor.
Dava ares de trono! Rocha esculpida, perdida entre as demais. Encontrada, por ela, como se soubesse que ali nascera, sem empeçar, sentou... Coisa certa! Era ali o seu lugar! Olhar no mundo, serena, pronta para a primeira vez, tive a sensação que tudo estava no seu lugar. Ela, o Mar e o Sol, e o meu olhar a olhar para o olhar dela a olhar tudo isto.
Faltava um palmo, era o que separava o Astro do seu banho. Pujante, laranja de vigor, fervilhava de feliz, aproximava-se o descanso, o sono merecido. Chegava a casa.
Pairamos, tudo parou e quase o mar calou... O céu limpou de aves e nuvens, o vento sossegou e pôde respirar fundo para novas viagens, eu estarrecido com medo de falhar e até a linha do horizonte se pôs mais horizontal! Iniciou...
O regaço de uma Mãe a acolher um filho, devagar, e ele a presentear com calor e a temperar os seus braços de água, derretiam-se de ternura, e assim foi, lento, pausado, belo... E eu lento, pausado, mergulhado no olhar dela, e nós lentos, pausados, deslumbrados com a encenação... Aconchegou-se todo, entregou-se sem reservas.
Como despedida, presenteou-nos com fios ténues de vermelho alaranjado, que acenavam melancólicos e imortais. Persistimos para lá da intenção, degustamos lentamente, viramos costas... Já uma bela senhora se engalanava para uma noite cheia!
Demos as mãos e seguimos.

O ÚLTIMO DIA ( parte II )


Entrou, sem bater, tirou as roupas pesadas e húmidas. Estava em casa, janela aberta, cortinas esvoaçantes, vento leve, ameno, com cheiro a campos de milho, sol. Debruçou-se no parapeito, alto.
No horizonte o mar, calmo como rio, do mesmo azul que o céu, pareciam um só. Os sons calmos, da brisa, do pipilar das aves e por vezes dos sapatos dos miúdos em correrias.
Aspirou o ar de rua, ao expirar suspirou! Pensou, sorriu. O tempo quase parado, a brisa entrava, rodopiava, oferecia-se à pele, que a recebia com todos os poros. Abriu os braços como se quisesse abraçar tudo o que via, olhou amplo e viveu.
Os sinos da igreja soavam nove badaladas e do silêncio, como que a celebrar, a carrinha do peixe chega e com ela o megafone pelo qual se faz anunciar. O movimento começou a aumentar aos poucos, com melodia e tradição, estava tudo perfeito, por dentro e lá fora.
Procurou um disco, pegou-lhe, e quase em acto de sedução, retirou o vinil, soprou. Levantou a tampa do gira-discos... Baixou a agulha... "...Don`t worry about a thing, `Cause every little thing gonna be all right...". Sentou-se, fechou os olhos e ouviu. Cantou.
Ontem foi o último dia de "Inverno".

O ÚLTIMO DIA ( parte I )



O dia arrasta-se lento. Já começou tarde, e mesmo tarde, parece comprido demais para quem não sente as pernas. O peso segue no mesmo rumo, empurra-se demorado, desce e fere tudo por onde passa. Que leve corpo escravo do pensamento devoluto, que do estéril reproduz e se transforma em monstro desmedido.
Brisa sem quente sem frio, que não passa, estala nas mãos, murcha os lábios, sempre de frente, venta sempre de frente. Corpo frio em esforço, pesado de nada, pesado de tudo que que as palmas não sentem. No fundo os pés, um à frente do outro, e por baixo cinzento molhado, veloz e desfigurado, chão. Venta sempre de frente, olhos abertos, cabeça baixa e cinzento molhado, chão.
Carência de caminho, sem casas, sem passeios, sem peões, sem luz, sem paragens, só linha contínua, contra o vento, contra o tempo que não corre nem pára. A sombra que atormenta, nasce sem sol e cresce, cresce, cresce e pesa.

Segue na frente, escurece o cinzento, aumenta o sacrifício, mas comanda em pontas de veneno. Procurou, procurou no vazio, procurou na amplitude negativa, no breu, e achou! Portada negra de ferro sujo. Bateu com estrondo, começou a extinguir-se e desapareceu, a sombra. O corpo, cativo, dominado e arrastado, nem som nem toque.

30 de janeiro de 2009

corpo suor


Cabelos longos soltos, escuros de brilho, dançam a um ritmo desconcertado, hipnóticos de fascínio e faltos de mão. Poder de ocultar e desvendar com espera o raiado dos olhos e o húmido da boca. Em repouso parecem fios de água em queda, despenhados em ombros de fragas curvas que harmonizam o embate.
Nesta voragem, entreabertos de volúpia, os dois, cor de mar, misturados de rímel e desmaio. Já só sentiam.
Abaixo, lascivos e grossos, extremos rosados. Infindáveis nas formas quando se entregam lavados de saliva, ar quente raro e língua, influem e criam o delírio.
Como se fosse foz, pescoço, todos ribeiros de suor tinham destino, gota após gota, da concha do ouvido até ao primeiro osso do peito...
Peito ofegante, sinuoso no movimento do corpo e no toque das mãos, rampas redondas divididas por leito de desejo escorrido até ao mar calmo de pele lisa, que se estende, estende, afunila e reabre como baía em terra. Braços delgados, fortes no enlace, nervosos de sítio com extremidades finas, garras de ave que cravam sem dor e rasgam, cortes fundos e prolongados.
O âmago envolvido de ventre, refúgio de tresvario e imprudência, cheira a iguaria sem nome, paladar sápido. Protegido com coxas justas de tez branca, propalam e já nada guardam, e afastam-se pelo calor insuportável do pulsar. Este mundo repousa num conjunto globuloso, carnoso, de saliência divina, nasce onde morre o dorso, renasce e multiplica o desejo, contínuo, une-se à epiderme da perna num trajecto indecifrável, extra-sensorial, arrepiante, aí vertigem…
Descida, longas e poderosas. Tenazes de rótulas pequenas, curvilíneas de músculo e pés cruzados, que asfixiam, que prendem e sufocam, sufocam… Matam de prazer.

28 de janeiro de 2009

CONTIGO em mim

Roubaram-me! Roubaram-me para sempre, sem retorno e sem volta! Deixaram-me sem consolo, sem tecto, sem dentro, esburacaram-me e agora sinto este frio intenso que me percorre a pele e não se aloja, vaguei-a como se oco, eu fosse. Não parem esta frente, façam de mim o aconchego dos ventos polares, deixem-me glacial, é tudo que vos peço!

É assim que mantenho intactas as memórias, a imagem e o seu corpo quente.
É assim que levo comigo a sua voz, a sua força e os seus passos pequenos que alargam os meus.
É assim que de mão dada vou, repleto de inocência, com ele: fortaleza, abrigo, herói.
É assim que não controlo as lágrimas de júbilo, que não largo o abraço (que abraço) no dia do meu enlace.
É assim que quero estar, ali, parado a ver o seu beijo na pele de quem sou Pai.
É assim que sinto o seu choro, que bonito o seu choro! Eu imito o seu pranto.
É assim que me tento, na sua jovialidade, nas suas aventuras e no seu destemor.
É assim que o reconheço, ponte entre gerações, indomável, filantropo.

Não vou aquecer, quando aqueço esqueço, goteja da alma pedaços de ti.
Não quero saudade, quero-te cá, quero-te comigo, quero-te em mim.
Porque em mim és calor, a grande chama. Exaltação.


Em memória do meu PAI

25 de janeiro de 2009

Amar o Amor



Sem querer apaixonou-se outra vez! Pela quadragésima primeira vez! Eu sei do que falo, sou amigo chegado, sou o mais próximo de todos. Está pendurado, relegado para a dimensão da leveza, flutua perto do chão sem o tocar. Os sentidos, aqueles que experimentam sensações, não respondem, pausam, na pele, no olhar, no sabor, no cheiro e na voz daquela mulher…

Eu avistei-a um par de vezes: estatura baixa, olhos grandes, tez clara, sorriso maroto... Este tipo de sorriso deixa-me sempre de pé atrás... Ou é de inteligência ou de traição. Nem mais que outras paixões mas menos que muitas! A minha opinião não conta.

Na sua batalha contra o térreo, adora a sensação de pertencer inteiramente a uma mulher, entrega-se como oferenda aos deuses por se terem lembrado dele. De olhos bem fechados atravessa a cortina do real, entra onde quer, e não quer sair. Abre o seu cubículo de atmosfera morna, perfumada, em que a paixão é a essência e o imperfeito é impossível.

Sem que se esgote o prazo, reparo em sinais e em movimentos que indicam aperto (aglomeração de pessoas em lugar pouco espaçoso) se é que me faço entender! De quando em quando fica por lá mais de três anos, mas é coisa rara. Os defeitos aparecem lentamente e a pureza do ar consome-se rapidamente.

Temos uma amiga em comum, por quem já voou, planou e nunca mais pousou. Nunca voaram os dois juntos, por vontade dela! A partir daí passou a estar acima de todas as outras, como um reflexo inquisidor. Certo dia e sem intenção ouvi conversa, e do meio da prosa sai: “…tu não amas pessoas, tu amas o Amor…”. Nesse momento percebi a energia inebriante que ele aplica quando estremece. Reage na tentativa de prolongar o êxtase, recupera-se nas marcas porque só transporta o indubitável.

Como conheço o meu amigo! Até lhe sinto alguma inveja, na agonia porque vai amar outra vez, e na celebração porque se rende e se doa, como que o destino findasse.

Ele respondeu: “…procurarei sem tréguas um Amor em forma de mulher…”

23 de janeiro de 2009

Agora sou um tolo


O sonho era antigo, a vontade muita e a frustração: toda. É uma história que tem vinte anos, tantos de querer e não saber, uma história que para mim estava terminada, enterrada, esmagada pela gravidade.
Algures, aqui e ali, durante este tempo, tentei. Muni-me de ferramentas: corpo dormente, inerte como a preparar a partida, vontade falada para dentro... Mas crânio escavado, lavado. Mas mais que isto, tinha os braços unidos ao tronco por uma película tão fina, que se um pensamento quisesse viajar até à mão, trespassava-me a pele e o braço caía! Perdia por falta de comparência. Poucas vezes teci! Enganos curtos, alguns com treze sílabas ou menos, se minto é distracção, ou então, usei três proibidas: as do meu nome.
Mirone de mim mesmo percebi, que a derrota não me secava; o desejo e a necessidade medravam, cresciam como crescem as crianças: enérgicas e repletas de sonhos. Durante este período em que só fartei, senti-me pouco, a voz e o espírito só serviam de alívio temporário, como suspiro no amor. Pouco a pouco, o que devia ser líquido, borbotão e quente, assume a forma de algo material, grosseiro e corpóreo, e assim existi...
Nunca deixei de parir, digo parir, porque dizem que parto é dor, mas é a dor do renascimento. A minha dor era maior! Mágoa, tormento! A cabeça dava à luz sem luz, ficava entre a criação e a destruição, só lhe sentia o cheiro a velório, quase reneguei... Parei, parei de trabalho e o cansaço parou o cansaço e as têmporas pararam de latejar porque o sangue corria mais fino.
Foi neste estado indolente e sem parteira, que um dia, noite, incharam as mãos, comecei a pingar golfadas de tinta em papel branco. Nasceu, finalmente!
Nasci das minhas próprias entranhas.De repente tenho o meu mundo menos saliente, menos rugoso, o labirinto tem agora mais saídas e salto alegremente nos caminhos da dúvida. Vou feliz andando, sem pressa e sem atalhos. O alvo já não é fim, longe ou perto, é uma clareira em que repouso, remoço e encontro sempre um portal para a história seguinte.
Agora vivo no equilíbrio entre a insipidez e o engenho. Que a tinta jorre e o papel não se revolte. "Agora, sou um tolo!"

22 de janeiro de 2009

" THE WRESTLER "

também é tentativa de purgar interior...

SORRISO




O desânimo já tomou conta da vontade há muito tempo. Os dias passam mais rápidos que as noites, o medo começa a apoderar-se do meu corpo. Está a chegar a hora do recomeço e sinto que vou falecendo devagar. Tenho que emergir, ando curvado na procura de alento. À deriva tento encontrar o anzol que me puxe para aquele que fui.

...um sorriso, bastou um sorriso. Uniu-me à cara, ao corpo e a mim. Trilho marcado por curvas, rectas e atalhos. Mas destino claro, ali, fim feliz. Não demorei a chegar, desliguei motores de ansiedade e turbinas de atenção, fiquei perto, pouco firme mas solto. O redor acinzentou! Por magia tudo estridente calou,...Si..., nota aguda, som rouco de boca amena.

Exumo lento de dentro e prossigo, não me largues nem soltes a corrente, não sou peso morto, sou discípulo da tua fé, de pé vou na estrada voada por ti, não pares nem que te peça! Invade o meu vazio até que ateste! Depois fica por perto, vais ver-me crescer do tamanho que quiseres.

Ressurgirei na orquestra, tocarei para que dances, Cadenciosa, Majestosa, Augusta... e eu, som após som, chegarei à nota mais alta.

18 de janeiro de 2009

Tudo o que quero


Tudo o que quero sou eu! Não vou mais passar os limites dos meus defeitos, das minhas vontades, das minhas alegrias, pequenas. Não quero mais do que a minha loucura, angustia que dá conforto quando o resto desconheço.

Tudo o que quero sou eu! Eufórico de sentir, planar sobre o limite dos outros sem os conhecer, viajar de olhar perdido, brilhante, que ofusca o destino e me cega, reflecte e cega.

Tudo o que quero sou eu! Feliz de migalhas, com fome de gigante, insaciável até ao enjoo e além; que bem que sabe o que não sacia, que gosto me dá o enfartamento.

Tudo o que quero sou eu! Viciado na magia da procura, a ressacar do mesmo, tenho medo de encontrar; obcecado em disfarces de espelho, que nunca me veja o mesmo, imploro à pele que não se acomode a nenhuma das máscaras, que mantenha a cor pálida.

Tudo o que quero sou eu! Intenso, antes da ebulição, palpitante infundado, motivado pela velocidade, corro por mim, a meu favor e contra; desafio-me em desfavor dos desafios alheios, têm metas, acabam.

Tudo o que eu quero sou eu! Vago de prazer, calor morno de sol invernal, vago de paz, caminhante de praia sem espírito, inteligência ou pensamento; passo a passo sem descanso sem fadiga.

Tudo o que eu quero sou eu! Sem juízo, o do riso, aguçado e bobo, acusador de tiques, comentador de sons e crítico de moda, a demência da língua, observador de telas em branco pintadas por estes.

Tudo o que quero sou eu! Amante sôfrego, consumista, depravado na oferta, tímido na proposta, rameira de prazer suado, sem razão me dou e aí vou sem regresso.

Tudo o que quero sou eu! Não sei o que é longitude. Calcanhar no extremo e abnego o meio.

16 de janeiro de 2009

CAROLINA


Nasci velho, escuro, renasço com este raio de luz que me cega e me guia de volta ao caminho.
Ouvi-te antes de ver, senti-te antes de ouvir, liguei-me antes de nasceres. Como que começasse ali, o novo mundo. Tenho-me maior do que a fronteira da pele, tenho o pensamento guiado pela corrente inquebrável da saudade, passei a ser mais e precisar menos, corro para além de mim, vivo para sempre na semente que cresce e se alimenta nesta terra velha.
Sinto que estremeço quando sofres, sinto que adormeço quando ris, sinto a tua força que me eleva corpo morto, renascido por um som de um sopro.
Largo-te tudo, pouco, que de bom me sugues, cresce dentro, rompe fora, tens-me em ti, leva-me sem pesar, usa-me como escudo, aquece-te que guardo todo o meu lume para não gelares, tu és mais que a vida, és antes e depois. Brilha meu amor, não pares de brilhar.

14 de janeiro de 2009

PINHAL



Hoje, e quando nada o fazia prever, tive a imagem que julgava impossível. No meio de um pequeno-almoço com o sol bem alto no café cá da rua, avistei três miúdos a jogar à bola. Deviam ter entre os 8 e 12 anos, vestidos como quem ainda não investe muito no aspecto, portanto com o "que veio à mão" ou então com o que os pais mandaram que vestissem.

Enquanto não chegava a meia-de-leite e a pão com manteiga (o que eu sofro à espera da primeira ração, é o vicio da nicotina) olhei, senti um conforto e uma saudade como se estivesse a olhar para uma fotografia antiga. Eles dividiam-se em triângulo, que ia mudando de aspecto, mais escaleno, menos isósceles e pouco equilátero, conforme os caminhos irreais da bola. Todavia o cenário não mudava, um canto de um prédio, de paredes grafitadas, dois contentores do lixo e uma placa presa num ferro que indicava o nome da rua, rua que é fria, sombria e ventosa, deve ser por isto que o ferro que segura o nome da rua, apresenta-se inclinado como que o vento só tivesse uma direcção. O som não me chegava, mas não fazia falta...

Na minha cabeça a imagem era outra, rua em terra batida que descia até ao pinhal, era assim conhecido; "Mãe vou para o pinhal com o Pedro jogar a bola", mais de três, muitos mais, as idades eram as mesmas e a alegria também, mas a liberdade era toda, era tanta que para nós não existia, como se fosse hora de comer, hora de deveres (trabalhos para casa, esses da escola) ou hora de ir para a cama. No dia seguinte repetíamos tudo, e nem sequer precisarmos de combinar, porque chegava um assobio (próprio, como código) e começavam a aparecer os calções, as sapatilhas e o brilho nos olhos de todos, era hora de prazer, de convívio e às vezes, muitas, de porrada e de zangas, vejam lá que dava para ficar sem falar aí uns dez minutos, coisa feia!

Dei o primeiro gole, peço morna, vem sempre fria, mas naquele momento tudo ficou como devia ser, não precisava de mais sentido nenhum, tudo estava perfeito, eu sorria com o entusiasmo deles os três e com as memórias que me fizeram lembrar. Apeteceu-me deixar a meia-de-leite, chegar perto, e contar o bem que me estavam a fazer, falar-lhes dos meus calções, dos meus amigos, do pinhal e no fim pedir para dar "uns toques". Mas não o fiz, em tempo de medo, em tempo de cimento, em tempo de tecnologia, em tempo de ATL, eu sentia-os revolucionários, destemidos, ninguém os vigiava, como que conspirassem, a experimentar uma grande liberdade.

Não podiam saber que a minha foi bem maior.

13 de janeiro de 2009

CONTRA CAPA


Começo bem, perco velocidade, enfadonho... não desisto, mas adio. Este é o trajecto. No caso, em casa, na sala... colar papel de parede, meia parede está, a outra meia vai estar sem que antes muitas vivências sejam passado, mas vai... discos (vinil ou LP, nostálgico e histórico), CDs e livros são metade do meu chão. Durante este tempo, em que tenho que alongar a passada para não ferir espólio cultural, alguém me chama" P.S.- Eu Amo-te" vem de baixo. É o Livro escrito por Cecelia Ahern, não se cala, berra, já lhe senti os braços na ganga a tentar parar o meu caminho! Quase bruto.

Sinto-me injusto e como tal, decidi dar-lhe texto. O meu livro preferido. Os outros tem amarelo de uso e dobras de paragem, este não, continua branco imaculado, quase virgem.

Quando me tocou nas mãos a primeira vez, veio vermelho de paixão, bocado de carne viva, de alma ao sol, senti-o ferver, cinquenta graus era temperatura interior, os cinquenta restantes roubou-os às mãos que lhe pegaram antes de mim.

Como a nódoa na toalha nova, tinha um defeito, redondo, colado, 2ª edição, como é possível!!! Tão vivo, tanto recheio... e 2ª edição. Tinha ar de exclusivo, talvez de único. E era. O meu livro preferido.

Como bónus, ela encostou os lábios, secos, ansiosos, aos meus,
- Parabéns! Disse com ar desinteressado, mas presente, na tentativa de não soar romântico.
- Obrigado! Respondi. Segurei firme com a mão direita, e com a esquerda abri... descobri nesse instante que o meu livro preferido "só" tinha duas folhas, uma grossa, encarnada, viva (P.S. - Eu Amo-te... 2ª Edição)... A outra branca, fina, leve, com traços redondos de azul que se lia..."...acho que o título do livro diz tudo. Diga o que disser, aconteça o que acontecer as palavras são sempre as mesmas... P.S. – Eu Amo-te...MUITO". Assinando.

Agora percebo o inferno nas mãos, aquela folha branca, fina, leve, era o fim. O que estava para lá perdeu-se, nunca viveu. A Capa alimenta-se todos os dias da fina folha, que lhe dá o palco mas não o papel principal. O resto do meu livro preferido...não Li.

FILTRO






Existe uma película que nos rodeia, tem como finalidade filtrar. Como se fosse uma rede de pesca, umas vezes mais densa, outras menos, consoante o pescado. É por aqui que nos deixamos envolver com o mundo. Parece fácil, mas não, tenho-me perguntado nestes últimos tempos, se existirá algum modo intensivo de aprendizagem para lidar com isto, a certeza que nunca usamos o filtro adequado, umas vezes passa mais do que queremos, outras parece que uma longa história ficou no primeiro capítulo.

Vamos por tentativas. Todos deixam de ter esta camada porosa, e todos interagem com a transparência total, todos absorvem tudo dos outros.... Já estou a ver! Sem sorte perdia a vida a aturar imbecis!... Ou não?
Então todos somos opacos e de casca grossa, só entra quem tiver tempo e força para partir o casulo, agora pensem, tanto esforço tantos dias e do ovo sai o patinho feio, já seria difícil partir outro ovo com o mesmo empenho, ou não? Só nos resta a hipótese do "eu controlo", assumimos a responsabilidade de identificar quem entra e quem sai do "nosso mundo", identificar as emoções que queremos ou não partilhar, o tempo que queremos ou não perder, o rumo que queremos guiar... mas com a certeza que não o sabemos fazer, com a certeza que o inesperado é o melhor e o pior da vida... ou não?

9 de janeiro de 2009

A NOITE


Sempre que abrimos algo, temos a dúvida se encaramos com o esperado, o inesperado ou a certeza ténue de que sabemos interpretar a surpresa. Sinto-me diferente, sinto-me aguçado, disposto a abrir e não esperar nada. Nada é tudo o que existe antes de nascer, tudo está disponível depois da abertura...

Abriu-se o inócuo, sem cor, sem cheiro, sem ar, tudo vago. Agora temos o espaço sem limites, sem tecto, sem chão, sem horizonte e sem luz. Peguemos, deste lado no negro que acumulamos, vertendo, sangrando, vomitando até à dor, sem muito esforço temos negro suficiente (mas espremam até à última gota).

Agora vamos viajar nas memórias, paremos no desgosto, na culpa, na cegueira e em tudo o mais que sintam cinzento frio, bruto cortante, juntem e moldem um degrau de pedra dura pálida seca.

Abram as mãos, estiquem os dedos e... revivam dez sorrisos, só dez, gargalhadas não contam, são gordas de nada e morrem cedo. Nas pontas coloquem um pingo de amarelo, não dobrem os dedos pois a tinta escorre e o pingo passa a rio e o rio é escuro e não manda no seu caminho.

Lembram-se do ar quente de boca que nos canta para o sono quando somos criança? Esse mesmo, de bocas queridas, que conforto... enche um balão.

Três passos, o abismo do vazio, gota a gota o negro pinta tudo, tudo breu, tudo meu, mas nada, só preto. Com todas as forças içamos o degrau e com todo esforço o pousamos, frio, duro. Baixem os braços mortos, sintam o amarelo a separar-se dos dedos, das unhas...

Segurem o balão com a mão esquerda... subam o degrau... larguem... e abram os olhos...

Noite quente com vento de Leste, um alpendre, dez pontos de luz trémula, silêncio...