30 de janeiro de 2009

corpo suor


Cabelos longos soltos, escuros de brilho, dançam a um ritmo desconcertado, hipnóticos de fascínio e faltos de mão. Poder de ocultar e desvendar com espera o raiado dos olhos e o húmido da boca. Em repouso parecem fios de água em queda, despenhados em ombros de fragas curvas que harmonizam o embate.
Nesta voragem, entreabertos de volúpia, os dois, cor de mar, misturados de rímel e desmaio. Já só sentiam.
Abaixo, lascivos e grossos, extremos rosados. Infindáveis nas formas quando se entregam lavados de saliva, ar quente raro e língua, influem e criam o delírio.
Como se fosse foz, pescoço, todos ribeiros de suor tinham destino, gota após gota, da concha do ouvido até ao primeiro osso do peito...
Peito ofegante, sinuoso no movimento do corpo e no toque das mãos, rampas redondas divididas por leito de desejo escorrido até ao mar calmo de pele lisa, que se estende, estende, afunila e reabre como baía em terra. Braços delgados, fortes no enlace, nervosos de sítio com extremidades finas, garras de ave que cravam sem dor e rasgam, cortes fundos e prolongados.
O âmago envolvido de ventre, refúgio de tresvario e imprudência, cheira a iguaria sem nome, paladar sápido. Protegido com coxas justas de tez branca, propalam e já nada guardam, e afastam-se pelo calor insuportável do pulsar. Este mundo repousa num conjunto globuloso, carnoso, de saliência divina, nasce onde morre o dorso, renasce e multiplica o desejo, contínuo, une-se à epiderme da perna num trajecto indecifrável, extra-sensorial, arrepiante, aí vertigem…
Descida, longas e poderosas. Tenazes de rótulas pequenas, curvilíneas de músculo e pés cruzados, que asfixiam, que prendem e sufocam, sufocam… Matam de prazer.

28 de janeiro de 2009

CONTIGO em mim

Roubaram-me! Roubaram-me para sempre, sem retorno e sem volta! Deixaram-me sem consolo, sem tecto, sem dentro, esburacaram-me e agora sinto este frio intenso que me percorre a pele e não se aloja, vaguei-a como se oco, eu fosse. Não parem esta frente, façam de mim o aconchego dos ventos polares, deixem-me glacial, é tudo que vos peço!

É assim que mantenho intactas as memórias, a imagem e o seu corpo quente.
É assim que levo comigo a sua voz, a sua força e os seus passos pequenos que alargam os meus.
É assim que de mão dada vou, repleto de inocência, com ele: fortaleza, abrigo, herói.
É assim que não controlo as lágrimas de júbilo, que não largo o abraço (que abraço) no dia do meu enlace.
É assim que quero estar, ali, parado a ver o seu beijo na pele de quem sou Pai.
É assim que sinto o seu choro, que bonito o seu choro! Eu imito o seu pranto.
É assim que me tento, na sua jovialidade, nas suas aventuras e no seu destemor.
É assim que o reconheço, ponte entre gerações, indomável, filantropo.

Não vou aquecer, quando aqueço esqueço, goteja da alma pedaços de ti.
Não quero saudade, quero-te cá, quero-te comigo, quero-te em mim.
Porque em mim és calor, a grande chama. Exaltação.


Em memória do meu PAI

25 de janeiro de 2009

Amar o Amor



Sem querer apaixonou-se outra vez! Pela quadragésima primeira vez! Eu sei do que falo, sou amigo chegado, sou o mais próximo de todos. Está pendurado, relegado para a dimensão da leveza, flutua perto do chão sem o tocar. Os sentidos, aqueles que experimentam sensações, não respondem, pausam, na pele, no olhar, no sabor, no cheiro e na voz daquela mulher…

Eu avistei-a um par de vezes: estatura baixa, olhos grandes, tez clara, sorriso maroto... Este tipo de sorriso deixa-me sempre de pé atrás... Ou é de inteligência ou de traição. Nem mais que outras paixões mas menos que muitas! A minha opinião não conta.

Na sua batalha contra o térreo, adora a sensação de pertencer inteiramente a uma mulher, entrega-se como oferenda aos deuses por se terem lembrado dele. De olhos bem fechados atravessa a cortina do real, entra onde quer, e não quer sair. Abre o seu cubículo de atmosfera morna, perfumada, em que a paixão é a essência e o imperfeito é impossível.

Sem que se esgote o prazo, reparo em sinais e em movimentos que indicam aperto (aglomeração de pessoas em lugar pouco espaçoso) se é que me faço entender! De quando em quando fica por lá mais de três anos, mas é coisa rara. Os defeitos aparecem lentamente e a pureza do ar consome-se rapidamente.

Temos uma amiga em comum, por quem já voou, planou e nunca mais pousou. Nunca voaram os dois juntos, por vontade dela! A partir daí passou a estar acima de todas as outras, como um reflexo inquisidor. Certo dia e sem intenção ouvi conversa, e do meio da prosa sai: “…tu não amas pessoas, tu amas o Amor…”. Nesse momento percebi a energia inebriante que ele aplica quando estremece. Reage na tentativa de prolongar o êxtase, recupera-se nas marcas porque só transporta o indubitável.

Como conheço o meu amigo! Até lhe sinto alguma inveja, na agonia porque vai amar outra vez, e na celebração porque se rende e se doa, como que o destino findasse.

Ele respondeu: “…procurarei sem tréguas um Amor em forma de mulher…”

23 de janeiro de 2009

Agora sou um tolo


O sonho era antigo, a vontade muita e a frustração: toda. É uma história que tem vinte anos, tantos de querer e não saber, uma história que para mim estava terminada, enterrada, esmagada pela gravidade.
Algures, aqui e ali, durante este tempo, tentei. Muni-me de ferramentas: corpo dormente, inerte como a preparar a partida, vontade falada para dentro... Mas crânio escavado, lavado. Mas mais que isto, tinha os braços unidos ao tronco por uma película tão fina, que se um pensamento quisesse viajar até à mão, trespassava-me a pele e o braço caía! Perdia por falta de comparência. Poucas vezes teci! Enganos curtos, alguns com treze sílabas ou menos, se minto é distracção, ou então, usei três proibidas: as do meu nome.
Mirone de mim mesmo percebi, que a derrota não me secava; o desejo e a necessidade medravam, cresciam como crescem as crianças: enérgicas e repletas de sonhos. Durante este período em que só fartei, senti-me pouco, a voz e o espírito só serviam de alívio temporário, como suspiro no amor. Pouco a pouco, o que devia ser líquido, borbotão e quente, assume a forma de algo material, grosseiro e corpóreo, e assim existi...
Nunca deixei de parir, digo parir, porque dizem que parto é dor, mas é a dor do renascimento. A minha dor era maior! Mágoa, tormento! A cabeça dava à luz sem luz, ficava entre a criação e a destruição, só lhe sentia o cheiro a velório, quase reneguei... Parei, parei de trabalho e o cansaço parou o cansaço e as têmporas pararam de latejar porque o sangue corria mais fino.
Foi neste estado indolente e sem parteira, que um dia, noite, incharam as mãos, comecei a pingar golfadas de tinta em papel branco. Nasceu, finalmente!
Nasci das minhas próprias entranhas.De repente tenho o meu mundo menos saliente, menos rugoso, o labirinto tem agora mais saídas e salto alegremente nos caminhos da dúvida. Vou feliz andando, sem pressa e sem atalhos. O alvo já não é fim, longe ou perto, é uma clareira em que repouso, remoço e encontro sempre um portal para a história seguinte.
Agora vivo no equilíbrio entre a insipidez e o engenho. Que a tinta jorre e o papel não se revolte. "Agora, sou um tolo!"

22 de janeiro de 2009

" THE WRESTLER "

também é tentativa de purgar interior...

SORRISO




O desânimo já tomou conta da vontade há muito tempo. Os dias passam mais rápidos que as noites, o medo começa a apoderar-se do meu corpo. Está a chegar a hora do recomeço e sinto que vou falecendo devagar. Tenho que emergir, ando curvado na procura de alento. À deriva tento encontrar o anzol que me puxe para aquele que fui.

...um sorriso, bastou um sorriso. Uniu-me à cara, ao corpo e a mim. Trilho marcado por curvas, rectas e atalhos. Mas destino claro, ali, fim feliz. Não demorei a chegar, desliguei motores de ansiedade e turbinas de atenção, fiquei perto, pouco firme mas solto. O redor acinzentou! Por magia tudo estridente calou,...Si..., nota aguda, som rouco de boca amena.

Exumo lento de dentro e prossigo, não me largues nem soltes a corrente, não sou peso morto, sou discípulo da tua fé, de pé vou na estrada voada por ti, não pares nem que te peça! Invade o meu vazio até que ateste! Depois fica por perto, vais ver-me crescer do tamanho que quiseres.

Ressurgirei na orquestra, tocarei para que dances, Cadenciosa, Majestosa, Augusta... e eu, som após som, chegarei à nota mais alta.

18 de janeiro de 2009

Tudo o que quero


Tudo o que quero sou eu! Não vou mais passar os limites dos meus defeitos, das minhas vontades, das minhas alegrias, pequenas. Não quero mais do que a minha loucura, angustia que dá conforto quando o resto desconheço.

Tudo o que quero sou eu! Eufórico de sentir, planar sobre o limite dos outros sem os conhecer, viajar de olhar perdido, brilhante, que ofusca o destino e me cega, reflecte e cega.

Tudo o que quero sou eu! Feliz de migalhas, com fome de gigante, insaciável até ao enjoo e além; que bem que sabe o que não sacia, que gosto me dá o enfartamento.

Tudo o que quero sou eu! Viciado na magia da procura, a ressacar do mesmo, tenho medo de encontrar; obcecado em disfarces de espelho, que nunca me veja o mesmo, imploro à pele que não se acomode a nenhuma das máscaras, que mantenha a cor pálida.

Tudo o que quero sou eu! Intenso, antes da ebulição, palpitante infundado, motivado pela velocidade, corro por mim, a meu favor e contra; desafio-me em desfavor dos desafios alheios, têm metas, acabam.

Tudo o que eu quero sou eu! Vago de prazer, calor morno de sol invernal, vago de paz, caminhante de praia sem espírito, inteligência ou pensamento; passo a passo sem descanso sem fadiga.

Tudo o que eu quero sou eu! Sem juízo, o do riso, aguçado e bobo, acusador de tiques, comentador de sons e crítico de moda, a demência da língua, observador de telas em branco pintadas por estes.

Tudo o que quero sou eu! Amante sôfrego, consumista, depravado na oferta, tímido na proposta, rameira de prazer suado, sem razão me dou e aí vou sem regresso.

Tudo o que quero sou eu! Não sei o que é longitude. Calcanhar no extremo e abnego o meio.

16 de janeiro de 2009

CAROLINA


Nasci velho, escuro, renasço com este raio de luz que me cega e me guia de volta ao caminho.
Ouvi-te antes de ver, senti-te antes de ouvir, liguei-me antes de nasceres. Como que começasse ali, o novo mundo. Tenho-me maior do que a fronteira da pele, tenho o pensamento guiado pela corrente inquebrável da saudade, passei a ser mais e precisar menos, corro para além de mim, vivo para sempre na semente que cresce e se alimenta nesta terra velha.
Sinto que estremeço quando sofres, sinto que adormeço quando ris, sinto a tua força que me eleva corpo morto, renascido por um som de um sopro.
Largo-te tudo, pouco, que de bom me sugues, cresce dentro, rompe fora, tens-me em ti, leva-me sem pesar, usa-me como escudo, aquece-te que guardo todo o meu lume para não gelares, tu és mais que a vida, és antes e depois. Brilha meu amor, não pares de brilhar.

14 de janeiro de 2009

PINHAL



Hoje, e quando nada o fazia prever, tive a imagem que julgava impossível. No meio de um pequeno-almoço com o sol bem alto no café cá da rua, avistei três miúdos a jogar à bola. Deviam ter entre os 8 e 12 anos, vestidos como quem ainda não investe muito no aspecto, portanto com o "que veio à mão" ou então com o que os pais mandaram que vestissem.

Enquanto não chegava a meia-de-leite e a pão com manteiga (o que eu sofro à espera da primeira ração, é o vicio da nicotina) olhei, senti um conforto e uma saudade como se estivesse a olhar para uma fotografia antiga. Eles dividiam-se em triângulo, que ia mudando de aspecto, mais escaleno, menos isósceles e pouco equilátero, conforme os caminhos irreais da bola. Todavia o cenário não mudava, um canto de um prédio, de paredes grafitadas, dois contentores do lixo e uma placa presa num ferro que indicava o nome da rua, rua que é fria, sombria e ventosa, deve ser por isto que o ferro que segura o nome da rua, apresenta-se inclinado como que o vento só tivesse uma direcção. O som não me chegava, mas não fazia falta...

Na minha cabeça a imagem era outra, rua em terra batida que descia até ao pinhal, era assim conhecido; "Mãe vou para o pinhal com o Pedro jogar a bola", mais de três, muitos mais, as idades eram as mesmas e a alegria também, mas a liberdade era toda, era tanta que para nós não existia, como se fosse hora de comer, hora de deveres (trabalhos para casa, esses da escola) ou hora de ir para a cama. No dia seguinte repetíamos tudo, e nem sequer precisarmos de combinar, porque chegava um assobio (próprio, como código) e começavam a aparecer os calções, as sapatilhas e o brilho nos olhos de todos, era hora de prazer, de convívio e às vezes, muitas, de porrada e de zangas, vejam lá que dava para ficar sem falar aí uns dez minutos, coisa feia!

Dei o primeiro gole, peço morna, vem sempre fria, mas naquele momento tudo ficou como devia ser, não precisava de mais sentido nenhum, tudo estava perfeito, eu sorria com o entusiasmo deles os três e com as memórias que me fizeram lembrar. Apeteceu-me deixar a meia-de-leite, chegar perto, e contar o bem que me estavam a fazer, falar-lhes dos meus calções, dos meus amigos, do pinhal e no fim pedir para dar "uns toques". Mas não o fiz, em tempo de medo, em tempo de cimento, em tempo de tecnologia, em tempo de ATL, eu sentia-os revolucionários, destemidos, ninguém os vigiava, como que conspirassem, a experimentar uma grande liberdade.

Não podiam saber que a minha foi bem maior.

13 de janeiro de 2009

CONTRA CAPA


Começo bem, perco velocidade, enfadonho... não desisto, mas adio. Este é o trajecto. No caso, em casa, na sala... colar papel de parede, meia parede está, a outra meia vai estar sem que antes muitas vivências sejam passado, mas vai... discos (vinil ou LP, nostálgico e histórico), CDs e livros são metade do meu chão. Durante este tempo, em que tenho que alongar a passada para não ferir espólio cultural, alguém me chama" P.S.- Eu Amo-te" vem de baixo. É o Livro escrito por Cecelia Ahern, não se cala, berra, já lhe senti os braços na ganga a tentar parar o meu caminho! Quase bruto.

Sinto-me injusto e como tal, decidi dar-lhe texto. O meu livro preferido. Os outros tem amarelo de uso e dobras de paragem, este não, continua branco imaculado, quase virgem.

Quando me tocou nas mãos a primeira vez, veio vermelho de paixão, bocado de carne viva, de alma ao sol, senti-o ferver, cinquenta graus era temperatura interior, os cinquenta restantes roubou-os às mãos que lhe pegaram antes de mim.

Como a nódoa na toalha nova, tinha um defeito, redondo, colado, 2ª edição, como é possível!!! Tão vivo, tanto recheio... e 2ª edição. Tinha ar de exclusivo, talvez de único. E era. O meu livro preferido.

Como bónus, ela encostou os lábios, secos, ansiosos, aos meus,
- Parabéns! Disse com ar desinteressado, mas presente, na tentativa de não soar romântico.
- Obrigado! Respondi. Segurei firme com a mão direita, e com a esquerda abri... descobri nesse instante que o meu livro preferido "só" tinha duas folhas, uma grossa, encarnada, viva (P.S. - Eu Amo-te... 2ª Edição)... A outra branca, fina, leve, com traços redondos de azul que se lia..."...acho que o título do livro diz tudo. Diga o que disser, aconteça o que acontecer as palavras são sempre as mesmas... P.S. – Eu Amo-te...MUITO". Assinando.

Agora percebo o inferno nas mãos, aquela folha branca, fina, leve, era o fim. O que estava para lá perdeu-se, nunca viveu. A Capa alimenta-se todos os dias da fina folha, que lhe dá o palco mas não o papel principal. O resto do meu livro preferido...não Li.

FILTRO






Existe uma película que nos rodeia, tem como finalidade filtrar. Como se fosse uma rede de pesca, umas vezes mais densa, outras menos, consoante o pescado. É por aqui que nos deixamos envolver com o mundo. Parece fácil, mas não, tenho-me perguntado nestes últimos tempos, se existirá algum modo intensivo de aprendizagem para lidar com isto, a certeza que nunca usamos o filtro adequado, umas vezes passa mais do que queremos, outras parece que uma longa história ficou no primeiro capítulo.

Vamos por tentativas. Todos deixam de ter esta camada porosa, e todos interagem com a transparência total, todos absorvem tudo dos outros.... Já estou a ver! Sem sorte perdia a vida a aturar imbecis!... Ou não?
Então todos somos opacos e de casca grossa, só entra quem tiver tempo e força para partir o casulo, agora pensem, tanto esforço tantos dias e do ovo sai o patinho feio, já seria difícil partir outro ovo com o mesmo empenho, ou não? Só nos resta a hipótese do "eu controlo", assumimos a responsabilidade de identificar quem entra e quem sai do "nosso mundo", identificar as emoções que queremos ou não partilhar, o tempo que queremos ou não perder, o rumo que queremos guiar... mas com a certeza que não o sabemos fazer, com a certeza que o inesperado é o melhor e o pior da vida... ou não?

9 de janeiro de 2009

A NOITE


Sempre que abrimos algo, temos a dúvida se encaramos com o esperado, o inesperado ou a certeza ténue de que sabemos interpretar a surpresa. Sinto-me diferente, sinto-me aguçado, disposto a abrir e não esperar nada. Nada é tudo o que existe antes de nascer, tudo está disponível depois da abertura...

Abriu-se o inócuo, sem cor, sem cheiro, sem ar, tudo vago. Agora temos o espaço sem limites, sem tecto, sem chão, sem horizonte e sem luz. Peguemos, deste lado no negro que acumulamos, vertendo, sangrando, vomitando até à dor, sem muito esforço temos negro suficiente (mas espremam até à última gota).

Agora vamos viajar nas memórias, paremos no desgosto, na culpa, na cegueira e em tudo o mais que sintam cinzento frio, bruto cortante, juntem e moldem um degrau de pedra dura pálida seca.

Abram as mãos, estiquem os dedos e... revivam dez sorrisos, só dez, gargalhadas não contam, são gordas de nada e morrem cedo. Nas pontas coloquem um pingo de amarelo, não dobrem os dedos pois a tinta escorre e o pingo passa a rio e o rio é escuro e não manda no seu caminho.

Lembram-se do ar quente de boca que nos canta para o sono quando somos criança? Esse mesmo, de bocas queridas, que conforto... enche um balão.

Três passos, o abismo do vazio, gota a gota o negro pinta tudo, tudo breu, tudo meu, mas nada, só preto. Com todas as forças içamos o degrau e com todo esforço o pousamos, frio, duro. Baixem os braços mortos, sintam o amarelo a separar-se dos dedos, das unhas...

Segurem o balão com a mão esquerda... subam o degrau... larguem... e abram os olhos...

Noite quente com vento de Leste, um alpendre, dez pontos de luz trémula, silêncio...