23 de janeiro de 2009

Agora sou um tolo


O sonho era antigo, a vontade muita e a frustração: toda. É uma história que tem vinte anos, tantos de querer e não saber, uma história que para mim estava terminada, enterrada, esmagada pela gravidade.
Algures, aqui e ali, durante este tempo, tentei. Muni-me de ferramentas: corpo dormente, inerte como a preparar a partida, vontade falada para dentro... Mas crânio escavado, lavado. Mas mais que isto, tinha os braços unidos ao tronco por uma película tão fina, que se um pensamento quisesse viajar até à mão, trespassava-me a pele e o braço caía! Perdia por falta de comparência. Poucas vezes teci! Enganos curtos, alguns com treze sílabas ou menos, se minto é distracção, ou então, usei três proibidas: as do meu nome.
Mirone de mim mesmo percebi, que a derrota não me secava; o desejo e a necessidade medravam, cresciam como crescem as crianças: enérgicas e repletas de sonhos. Durante este período em que só fartei, senti-me pouco, a voz e o espírito só serviam de alívio temporário, como suspiro no amor. Pouco a pouco, o que devia ser líquido, borbotão e quente, assume a forma de algo material, grosseiro e corpóreo, e assim existi...
Nunca deixei de parir, digo parir, porque dizem que parto é dor, mas é a dor do renascimento. A minha dor era maior! Mágoa, tormento! A cabeça dava à luz sem luz, ficava entre a criação e a destruição, só lhe sentia o cheiro a velório, quase reneguei... Parei, parei de trabalho e o cansaço parou o cansaço e as têmporas pararam de latejar porque o sangue corria mais fino.
Foi neste estado indolente e sem parteira, que um dia, noite, incharam as mãos, comecei a pingar golfadas de tinta em papel branco. Nasceu, finalmente!
Nasci das minhas próprias entranhas.De repente tenho o meu mundo menos saliente, menos rugoso, o labirinto tem agora mais saídas e salto alegremente nos caminhos da dúvida. Vou feliz andando, sem pressa e sem atalhos. O alvo já não é fim, longe ou perto, é uma clareira em que repouso, remoço e encontro sempre um portal para a história seguinte.
Agora vivo no equilíbrio entre a insipidez e o engenho. Que a tinta jorre e o papel não se revolte. "Agora, sou um tolo!"

7 comentários:

  1. Que esse "livro" seja um best seller... em termos de oferendas de vida, à tua vida.
    Abraço.

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  2. Obrigado amigo, dou por mim a aprender com o que escrevo...

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  3. É sempre bom aprendermos connosco. POdemos ser os nossos melhores professores, ou melhor, devemos sê-lo... e estar atentos a nós mesmos, ao nosso interior.
    Abraço.

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  4. O importante é que isso te faça sentir bem! Purgar, como tu próprio dizes e muito bem! Quem sabe, não estarás a ajudar outras pessoas a ver as coisas de uma perspectiva diferente! Só te falta mesmo o Livro!

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  5. ...e pingar golfadas de tinta em Amarelo, parece-me uma boa escolha, já que, segundo a cromoterapia, é a cor associada ao domínio das faculdades mentais,optimismo, raciocínio e criatividade. Boa sorte!

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  6. Obrigado FM
    Abraço

    ...e faz muito bem liamaral, obrigado, bj

    sempre a surpreender pela sabedoria abrangente, obrigado Sara, bj

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  7. Chegam-me estes trechos de honestidade mental, não sou louco que chegue para pensar em "livro".

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