
Alguns sentados nos muros, outros em grupos de pé, muitos ansiosos. O alarde corre por entre corpos, motim mal organizado, fumo de cigarros e fumos com fragrância das Índias, esvaziam-se no ar da noite. Mãos coladas em garrafas de cerveja e boa disposição. Conversas insuficientes, não que sejamos todos tolos, mas a cabeça já se matriculou num curso que durará duas horas, onde somos alunos, professores e matéria. Alguém grita mais alto o nome de alguém, olhamos e sorrimos mesmo antes de olhar porque sabemos que é um dos "nossos", não falha! Camisola preta com o nome gravado em letras brancas, mais um faz sempre falta! Em bicos de pés reparo no que me rodeia, satisfaz-me os milhares, idades muitas, família que se veste parecido, com um fim claro: dar tudo e receber tudo. Abriram as portas...
Um dia gostava de filmar as caras, espera-los lá dentro para ver o que vejo em mim e o que consigo ver nos que me estão mais próximos: a emoção contida a transbordar, o orgulho de ser fragmento, a alegria da primeira vez, o ar apressado para encostar nas barreiras e a certeza que vamos fazer parte. A entrada é um momento que gosto particularmente, o frenesim estrondoso de uma massa humana, o deslumbramento com a sala, mesmo que seja a trigésima vez que lá entramos, os sons da acomodação anárquica e os olhares perplexos a constatar o momento. Corta-se o cordão que nos liga ao mundo e passamos a ser um "gigante". Apagam-se as luzes...
Momento de silêncio que dura um milésimo de segundo, depois, os gritos guardados, os assobios, as mãos no ar e as vozes nossas que ecoam até ao tecto e voltam. A delonga está no fim e até esse instante é delícia. Acendem-se todos os focos e os primeiros acordes rebentam...
Agora somos sons, somos movimento desordenado que olhado de cima é perfeitamente simbiótico, somos ouvidos sem filtro, somos poros abertos a transpirar e a sugar, somos boca e garganta de mil notas, somos corpo em erupção, somos o palco do palco. Mais uma vez olho em meu redor, faço-o sempre num refrão poderoso e conhecido ou num momento de uníssono, vejo fulgor e a vontade burlesca de todos em participar de uma forma marcante, vejo calor e as faces brilhantes de exaltação, vejo comunicação e energia lançada para o palco e rebatida para o povo. Sinto-me feliz e no correr do tempo, salto, grito, canto, aplaudo e vivo muito... A última nota, a despedida calorosa e arrepiante que faz crer que podia começar tudo de novo! Acendem-se as luzes do fim...
Corpos suados e lentos, cambaleiam para a saída. Vozes fracas e roucas, poucas, porque a memória ainda junta tudo e a vontade é de lembrar. Olhos vidrados de encantamento. Zumbido que atenua o rigor de voltar à generalidade. Desaparecemos vultos pelas ruas...