22 de março de 2009

PARTIDAS


Sem dormir, encheu-se de coragem, tomou um duche e saiu. Dia cinzento com ar frio e húmido, andar oscilante, próprio de quem precisa de descanso, sem que isso se torne penoso segue até ao carro com a mente leve e transparente, procura nos seis bolsos possíveis a chave, como habitualmente está no último, entra, cinto, cigarro, U2 e vidro entre-aberto pois esta brisa fresca dos primeiros dias de primavera é irrepetível e dura três ou quatro dias, tem cheiro a mar e anuncia o renascimento da terra.
Estrada fora, rolando devagar porque adiantou-se ao relógio, estranha-se porque não é pontual. A ansiedade aumenta ligeiramente, segue todas as placas que dizem aeroporto sem desvios ou hesitações, a sensação de dejá-vu parece antecipar o destino... Engana-se na entrada do parque de estacionamento, mais uma volta e desta pára o carro.
Conscientemente dirige-se para o piso das chegadas, sabe que ela vai partir, mas tenta decifrar a reacção que terá: pressionada, feliz, surpreendida, maravilhada ou espantada. Gasta o tempo nestes pensamentos enquanto bebe um café sentado no snack-bar que está de frente para quem chega de altos voos. Reconhece valor e paixão no que está a fazer, dá o derradeiro gole e sobe...
Sabia que era ali que, mais minuto menos minuto a veria outra vez, não a via há muito tempo, porque duas horas e trinta minutos é tempo infinito para tanta vontade! Sentou-se no lugar mais discreto, neste momento a ansiedade misturada com alegria eram um monstro de tamanho. Já estava no lugar certo porque não se perdem aviões, às vezes perdem-se comboios, autocarros e até amor de uma vida, mas aviões nunca, ele sabia que ela chegaria para partir. O nervosismo comandou-o até ao ar livre, mais um cigarro rápido, entrou de novo, olhou para o relógio e foi à descoberta do local exacto do chek-in. Perdido naquele espaço amplo, cabeça levantada e em voo mental, tenta entender aqueles quadros digitais, repara que a porta de embarque é a 18 e que o sítio para despachar as malas são o 57 e 58, inspira de alívio e desejo. Mudou de lugar, não era assim tão discreto e sentou-se ao longe com olhar cravado nas portas giratórias...
Entrou, cabelo apanhado, que realça os desenhos do rosto, caminhar seguro e um pouco acelerado, camisola clara e ganga, roubou todas as luzes disponíveis e em seu redor tudo escureceu. Ele via tudo sem turvar, contemplou e de seguida procurou o telemóvel e telefonou... A conversa não ouvi, mas vi, ele com passos inseguros aproximou-se, ela deixou para trás o 58 e dirijiu-se para ele, pararam cara-a-cara, beijaram-se na face, conversaram um ou dois minutos, ela surpresa, ele feliz, beijaram-se outra vez... E visto aqui de cima digo-vos: muito melhor do que na sétima arte. Viraram costas, ele já conta as horas para a ver de novo, ela não sei...

2 comentários:

  1. Tens uma maneira sublime de descrever cada momento.Gosto muito dos teus textos nem sempre comento mas leio,rediges muito bem,e tens o dom da palavra se me entendes,darias um bom escritor de um livro pelo que eu te vejo escrever,ja alguma vez pensaste nisso.
    Beijinhos

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  2. Andas a faltar aos treinos... (risos)
    Regressa.

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